Apesar do último relatório de resultados ter demonstrado um crescimento de 9% na receita bruta da Apple, comparando o primeiro trimestre de 2022 com o de 2021, nem tudo vai bem para a empresa.
Nesta semana, a Comissão Europeia, entidade da União Europeia para assuntos internacionais, acusou a companhia de práticas anticompetitivas com o Apple Pay. Enquanto isso, na Holanda, um órgão de proteção ao consumidor emitiu uma decisão desfavorável à empresa, que enfrenta uma batalha contra os apps de relacionamento naquele país.
Como bem sabemos, um dos principais fatores de sucesso da Apple é o controle que a empresa mantém sobre seu ecossistema e cadeia de produção. Nada na Apple é diferente do que a empresa quer – só que isso tem causado diversos problemas com órgãos reguladores mundo afora.
Desta vez, a discussão envolve os sistemas de pagamento da empresa – e como a interligação profunda entre o iOS, o iPhone e os serviços de compras dentro dos aplicativos, bem como o Apple Pay, supostamente infringem a livre competição entre a Maçã e as outras companhias que oferecem seus serviços nas plataformas da Apple.
Atualmente, o único sistema capaz de realizar pagamentos sem toque via NFC é o próprio Apple Pay
Para começar, o caso recente envolvendo o Apple Pay se mostra bastante ilustrativo. Emitido nesta segunda-feira (2), um parecer da Comissão Europeia, que atua numa ação antimonopólio contra a Apple, acusa o sistema de pagamentos da companhia de ser anticompetitivo.
Para a comissão, o fato da Apple não permitir que outras carteiras digitais utilizem o NFC do iPhone em pagamentos sem contato é uma forma da Maçã privilegiar o próprio sistema.
No caso, vale ressaltar que o parecer serve à instrução de um processo antitruste (antimonopólio) que a União Europeia move contra a Apple. Até o momento, o processo se encontra em fase de investigação, razão pela qual o documento não constitui uma decisão em si, mas a manifestação de uma das partes envolvidas acerca de como a atitude da Apple deve ser interpretada.
Ou seja, é como se a comissão estivesse acusando a Apple. Agora, cabe a empresa se defender e, só então, com base nas alegações da defesa e da acusação, a jurisdição competente da UE tomará uma decisão. Ainda assim, caso o argumento da comissão seja o determinante para a decisão final, a empresa pode ser submetida a pagar multas ou, ainda, a mudar suas práticas de negócios dentro do território da União Europeia.
Conforme aponta o The Verge, o pior é que essa ação específica compreende uma série de atitudes que a União Europeia vem tomando não só contra a fabricante do iPhone, mas contra as big techs no geral. No passado, a mesma entidade acusou a Apple de privilegiar o Apple Music de uma série de formas, após o Spotify recorrer ao bloco europeu na justiça.
Segundo o Spotify, o fato do Apple Music ser promovido em diferentes partes do iOS, ser oferecido em um combo com outros serviços da Apple (Apple One), bem como poder ser assinado diretamente dentro do aplicativo, beneficiam injustamente o serviço da Maçã – em detrimento dos demais.
Aqui, vale lembrar que, para oferecer a assinatura do plano premium diretamente dentro do app, o Spotify precisaria pagar 30% dos valores recebidos à Apple, tal como faz qualquer outro app que utilize o sistema de compras da companhia. A fim de contornar esse problema, o usuário que deseja assinar um plano do serviço é redirecionado para uma página web, o que torna a aquisição do plano um pouco mais difícil.
Apps de relacionamento holandeses também acusam a Apple de concorrência desleal
Eu citei que o caso do Apple Pay é bem ilustrativo porque ele mostra bem como o controle da Apple sobre como as coisas acontecem no iOS e no iPhone pode ser encarado por órgãos reguladores.
Na prática, enquanto alguns, incluindo a própria Apple, defendem que a construção de um ecossistema coeso e que autocentrado é um mérito da empresa, justificando que essa busque privilegiar as próprias soluções, outros alegam que, apesar disso, a companhia não devia ter o poder de limitar as possibilidades de escolhas dos usuários.
Esse, inclusive, é o argumento central no caso dos aplicativos de relacionamento holandeses, que acusam a fabricante de obrigá-los a utilizarem o sistema de compras da companhia, aquele que cobra uma taxa de 30% por cada transação. Desde 2021, as desenvolvedoras e a Maçã travam uma disputa na Autoridade de Consumidores e Mercados (ACM), o equivalente ao Procon dos países-baixos.
Após uma decisão favorável aos aplicativos, a Maçã foi condenada a pagar 50 milhões de euros em multas, bem como a modificar os termos da App Store para admitir outros métodos de pagamentos. Ocorre que, segundo a ACM, conforme uma decisão divulgada em março, a Apple “insiste em impor condições irracionais” aos aplicativos de relacionamento no país.
Antes disso, a Apple havia concordado em permitir que os aplicativos utilizassem meios de pagamento externos, desde que deixassem isso bem claro para o usuário e seguissem algumas outras regras de como fazê-lo. Ainda assim, o que parece não ter satisfeito a ACM é o fato de que a Apple não abdicou de uma fatia expressiva dos lucros, exigindo 27% das transações – mesmo as feitas fora do seu sistema de pagamentos.
De fato, não é uma situação simples. Conforme dito no início da matéria, o relatório de lucros da Apple para o primeiro trimestre de 2022 demonstra o quão importante é o segmento de serviços da companhia, alimentado, sobretudo, pelas assinaturas e compras na App Store.
Só em 2022, entre os três primeiros meses do ano, a companhia alcançou US$ 19,87 bilhões em receita líquida com transações do tipo. Para se ter uma ideia, isso equivale a quase 20% da receita líquida de toda a empresa durante o mesmo período, uma fatia duas vezes maior que o faturado com Macs (10,7%), iPads (7,9%) e dispositivos vestíveis (9,1%).
Com isso, não é difícil concluir que o desfecho dessa disputa deve transcender o caso da Maçã, ressignificando como as empresas e, sobretudo, a legislação, encaram as formas de competir e lucrar em ecossistemas digitais. Ou seja, se eu fosse o Google, me prepararia também.
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